O evento adverso, anteriormente conhecido como erro médico, é um tema de grande relevância tanto para profissionais de saúde quanto para pacientes. No Brasil, o aumento no número de processos judiciais relacionados a supostos eventos adversos reflete a crescente conscientização da população sobre seus direitos, bem como as complexidades inerentes à prática médica. Este artigo busca esclarecer a definição legal do, a responsabilidade civil dos médicos, a importância da documentação adequada e as principais estratégias de defesa que podem ser adotadas em casos de evento adverso.
Definição Legal de Evento Adverso
O evento adverso pode ser definido como uma conduta culposa (negligente, imprudente ou imperita) praticada por um profissional de saúde, que resulta em dano ao paciente. A legislação brasileira, embora não tenha um conceito específico para “evento adverso”, trata das condutas culposas no contexto geral de responsabilidade civil, como previsto no artigo 186 do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Essa definição abrange diversas situações, como diagnóstico incorreto, falha na prescrição de medicamentos, equívocos em procedimentos cirúrgicos, entre outros.
Responsabilidade Civil do Médico
A responsabilidade civil dos médicos no Brasil pode ser contratual ou extracontratual. A primeira ocorre quando há um contrato explícito ou implícito entre o médico e o paciente, o que é comum na relação médico-paciente em consultórios privados. A responsabilidade extracontratual, por outro lado, ocorre quando não há contrato, como em emergências médicas.
A responsabilidade do médico, em regra, é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia). No entanto, em algumas situações específicas, pode-se aplicar a responsabilidade objetiva, onde não há necessidade de comprovar culpa, como no caso de hospitais públicos ou quando o serviço de saúde for considerado um fornecedor de serviço segundo o Código de Defesa do Consumidor.
Tipos de Culpa
- Negligência: Ocorre quando o médico se omite ou deixa de realizar alguma ação necessária. Por exemplo, deixar de solicitar exames importantes para o diagnóstico.
- Imprudência: Acontece quando o médico age com precipitação ou sem os devidos cuidados. Um exemplo seria a realização de um procedimento sem os exames pré-operatórios adequados.
- Imperícia: Relaciona-se à falta de habilidade ou conhecimento técnico necessário para a execução de uma determinada atividade médica. Um exemplo seria um cirurgião realizar uma cirurgia sem a qualificação adequada.
A Importância da Documentação Médica
A documentação médica é um dos pilares da defesa em casos de evento adverso. A elaboração precisa e detalhada dos prontuários, prescrições, e relatórios médicos é fundamental para demonstrar a diligência do profissional em cada etapa do atendimento. O Código de Ética Médica, em seu artigo 87, determina que o médico deve elaborar prontuário de forma clara e legível, contendo todas as informações necessárias para o acompanhamento do paciente.
Funções da Documentação
- Registro Fidedigno: O prontuário médico serve como registro das condições de saúde do paciente, dos procedimentos realizados, e das orientações fornecidas. Ele deve ser claro e completo, abrangendo desde a anamnese até a alta médica.
- Prova em Juízo: Em processos judiciais, a documentação médica pode ser a principal prova de que o médico agiu de acordo com os padrões técnicos e éticos exigidos pela profissão. A ausência ou inadequação dessa documentação pode prejudicar gravemente a defesa do médico.
- Comunicação: O prontuário também serve como ferramenta de comunicação entre os profissionais de saúde que participam do cuidado do paciente, garantindo a continuidade e a consistência do tratamento.
Estratégias de Defesa em Casos de Evento Adverso
Quando um médico é acusado de evento adverso, a defesa deve ser estruturada com base em uma análise detalhada do caso, considerando a documentação existente, os depoimentos de testemunhas, e as normas técnicas aplicáveis. A seguir, algumas estratégias comuns de defesa:
1. Demonstrar Ausência de Culpa
A defesa pode argumentar que o dano sofrido pelo paciente não foi causado por culpa do médico, mas por fatores externos ou imprevisíveis, como reações adversas incomuns a medicamentos ou a própria condição de saúde do paciente. Para isso, é essencial contar com laudos periciais que sustentem a tese.
2. Contestação do Nexo de Causalidade
Outra estratégia é contestar o nexo de causalidade entre a ação do médico e o dano sofrido pelo paciente. Isso significa provar que o dano não foi resultado direto da conduta do médico, mas de uma condição preexistente ou de uma intervenção de outro profissional.
3. Evento adverso como Risco Inerente
Algumas intervenções médicas envolvem riscos que são comunicados ao paciente antes do procedimento. A defesa pode argumentar que o paciente foi devidamente informado sobre esses riscos e consentiu com o procedimento, eximindo o médico de responsabilidade em caso de resultados adversos que são considerados riscos inerentes.
4. Uso de Laudos Técnicos e Testemunhas Especializadas
A defesa deve buscar a produção de provas periciais que possam esclarecer os aspectos técnicos do caso, demonstrando que o médico agiu de acordo com as melhores práticas reconhecidas pela ciência médica. Testemunhas especializadas também podem ser fundamentais para respaldar a atuação do médico.
5. Negociação e Acordos
Em alguns casos, pode ser vantajoso buscar uma solução negociada, evitando a exposição prolongada e os custos de um processo judicial. A conciliação pode ser uma alternativa viável, especialmente em situações onde o evento é reconhecido e o foco é na reparação do dano.
Considerações Finais
A prática médica é cercada por desafios e riscos, o que torna inevitável a ocorrência de situações que podem ser interpretadas como evento adverso. Entender a definição legal do evento, a responsabilidade civil dos profissionais de saúde, a importância da documentação médica e as estratégias de defesa é essencial para qualquer advogado que atue na área de direito médico. A proteção dos direitos dos médicos passa pela construção de uma defesa técnica, bem fundamentada e suportada por evidências que demonstrem o cumprimento dos deveres profissionais e éticos.