Nos últimos anos, o debate sobre o que os planos de saúde devem ou não cobrir tem ganhado mais espaço. Esse debate se intensificou após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 7265, que tratou do caráter taxativo ou exemplificativo do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A discussão, que parecia meramente técnica, na prática tocou no coração do sistema de saúde suplementar: o direito do paciente a ter acesso ao tratamento prescrito por seus médicos. A ADI 7265, especialmente após o julgamento final, trouxe novas regras, novos filtros e novas exigências — e, embora também tenha produzido avanços em termos de critérios técnicos, acabou gerando consequências negativas concretas para os usuários de planos de saúde.
Este artigo examina, com profundidade e clareza, como a decisão do STF na ADI 7265 impactou os pacientes, quais foram os efeitos jurídicos, práticos e emocionais desse julgamento e por que tantos usuários passaram a sentir mais insegurança após essa mudança.
Vamos percorrer a história, entender o que estava em jogo, analisar a decisão e enxergar o que isso significa na vida real — especialmente para quem depende, diariamente, de tratamentos essenciais.
O pano de fundo: o Rol da ANS e a tensão entre listas e direitos individuais
Antes da ADI 7265, a discussão sobre o Rol da ANS girava em torno de uma pergunta simples, mas com consequências profundas:
O que não está no Rol pode ser negado pelo plano?
Durante muito tempo, a jurisprudência predominante admitia que não, o Rol não era uma lista fechada. Isso porque a medicina evolui rapidamente, e uma lista atualizada a cada dois anos não conseguiria acompanhar a velocidade das pesquisas, descobertas e novas tecnologias.
Esse entendimento permitia que pacientes tivessem acesso a tratamentos modernos e personalizados, mesmo quando ainda não incluídos formalmente pela ANS.
Mas essa interpretação também criou um cenário de insegurança para operadoras, que alegavam não ter previsibilidade sobre seus custos e não saberem até onde iam suas obrigações.
Esse conflito, alimentado há anos, culminou na ADI 7265, onde o STF foi chamado a decidir, de forma definitiva, como interpretar o Rol da ANS.
O julgamento da ADI 7265: o que o STF decidiu
O STF definiu que o Rol da ANS é taxativo mitigado.
E isso significa que:
- O tratamento fora do Rol NÃO é automaticamente obrigatório.
- Só será coberto se cumprir critérios estritos, definidos pelo próprio STF.
- Esses critérios funcionam como filtros, como barreiras que o paciente precisa ultrapassar.
Entre esses critérios, estão:
- prescrição médica fundamentada;
- inexistência de alternativa eficaz no Rol;
- comprovação científica robusta;
- registro na Anvisa;
- ausência de negativa expressa da ANS;
- análise prévia de órgãos técnicos como NATJUS.
A decisão se tornou um divisor de águas:
por um lado, trouxe previsibilidade; por outro, criou novas exigências que dificultam o acesso a tratamentos, especialmente para quem não possui conhecimento jurídico, não guarda documentação ou tem dificuldade de provar urgência.
E foi assim que a ADI 7265, embora revestida de racionalidade técnica, acabou prejudicando muitos pacientes.
Como a ADI 7265 prejudicou usuários de planos de saúde — na prática
A seguir, destrincho ponto a ponto, de forma clara, como a decisão afetou negativamente milhões de brasileiros:
1. Aumento das negativas após o julgamento
Depois da ADI 7265, muitos planos de saúde passaram a negar procedimentos com mais frequência, apoiando-se no argumento de que o Rol é taxativo e que a cobertura fora dele não é obrigatória.
Em vez de analisar o caso concreto, muitas operadoras simplesmente repetem:
“Não está no Rol da ANS. Portanto, não há cobertura.”
Essa postura transfere para o consumidor a responsabilidade de provar que o caso cumpre os requisitos.
E isso, obviamente, gera desigualdade: quem tem informação e acesso reage; quem não tem, sofre.
Em outras palavras:
a ADI 7265 criou um ambiente mais propício a negativas.
2. O ônus da prova caiu sobre o paciente — e isso é injusto
Para ter acesso ao tratamento fora do Rol, o usuário precisa apresentar:
- relatório médico detalhado;
- justificativa técnica;
- evidências científicas;
- comprovação de ausência de alternativa eficaz;
- protocolos clínicos;
- documentos que provem que fez solicitação ao plano.
É muita burocracia para quem está doente, fragilizado e em busca de socorro.
Isso soa ainda mais duro quando lembramos:
o paciente não escolhe ficar doente; já a operadora escolhe negar.
3. O NATJUS passou a ter papel decisivo — e nem sempre ajuda o paciente
O STF determinou que juízes consultem órgãos técnicos, como o NATJUS, antes de decidir sobre um pedido liminar ou tutela de urgência.
Na prática:
- muitos laudos são padronizados;
- não consideram particularidades clínicas;
- focam estritamente no Rol;
- reforçam negativas da operadora.
Isso é especialmente difícil em casos raros, atípicos ou fora do padrão.
A padronização técnica, embora importante, pode invisibilizar indivíduos, tratando situações únicas como se fossem idênticas a todas as outras.
4. O tempo passou a trabalhar contra o paciente
A ADI 7265 criou obstáculos que tornam o processo mais lento.
A consequência prática é devastadora:
- tratamentos urgentes atrasam;
- cirurgias deixam de ser autorizadas no tempo correto;
- medicamentos de alto custo demoram para ser liberados.
E quando se fala de saúde:
tempo não é um detalhe — tempo é vida.
5. Pacientes em situação de vulnerabilidade ficaram ainda mais vulneráveis
Os mais prejudicados pela ADI 7265 são justamente aqueles que:
- têm pouca informação;
- não entendem o sistema;
- não sabem como contestar uma negativa;
- não possuem meios para comprovar requisitos técnicos;
- têm pouco acesso à internet, dados científicos ou suporte médico.
Para essas pessoas, a decisão criou um labirinto difícil de navegar.
6. A taxatividade mitigada virou “taxatividade ampliada” na prática
Embora o STF tenha dito que o Rol é taxativo mitigado, o comportamento do mercado demonstra uma interpretação ainda mais restritiva:
“Se não está no Rol… negado.”
O que deveria ser exceção passou a ser regra.
E quem sofre?
O paciente — sempre ele.
7. A judicialização aumentou, e não diminuiu
A ADI 7265 pretendia reduzir ações judiciais.
Mas o efeito foi o contrário.
Com novas negativas, critérios mais duros e exigências documentais mais intensas, o que se viu foi:
- aumento da judicialização;
- discussões mais complexas;
- mais provas, mais laudos, mais perícias;
- mais demora para autorizações.
A decisão não simplificou — complicou.
A face humana da ADI 7265: insegurança, ansiedade e sofrimento emocional
Muito além dos aspectos técnicos, há um impacto que não aparece nos números, mas pesa profundamente na vida das pessoas: o emocional.
A ADI 7265 trouxe:
- mais medo de ter o tratamento negado;
- mais insegurança sobre o futuro;
- mais sensação de abandono;
- mais angústia durante períodos de espera.
Para quem está lutando contra doenças graves ou crônicas, a estabilidade emocional é parte vital do tratamento. A incerteza corrói forças, diminui a adesão terapêutica e impacta todo o núcleo familiar.
Mas houve também avanços importantes (mesmo que insuficientes)
Ainda que a decisão tenha efeitos negativos relevantes, é importante reconhecer:
- o STF exigiu critérios objetivos;
- reforçou a necessidade de base científica;
- afastou decisões improvisadas;
- limitou abusos do Judiciário;
- estimulou maior responsabilidade técnica.
No entanto, o custo humano dessa proteção sistêmica foi alto demais — e recaiu justamente sobre quem menos poderia suportar: o paciente.
Como a ADI 7265 mudou o equilíbrio de forças entre paciente e operadora
Antes da decisão, havia uma balança instável.
Depois dela, essa balança inclinou-se mais claramente para as operadoras.
Hoje:
- planos usam o Rol como escudo;
- pacientes precisam provar urgência e eficácia;
- juízes dependem de laudos padronizados;
- tratamentos individualizados enfrentam barreiras.
A ADI 7265 não fechou portas…
mas colocou fechaduras nelas — e deu a chave às operadoras.
O que os usuários precisam saber após a ADI 7265
Mesmo com as dificuldades, existem pontos fundamentais que os pacientes precisam compreender:
✔ A decisão não proibiu a cobertura fora do Rol.
✔ Ela criou regras — duras, mas objetivas.
✔ A prescrição médica continua central.
✔ Evidências científicas têm peso decisivo.
✔ Documentar tudo é essencial.
E, acima de tudo:
informação protege.
Conclusão: a ADI 7265 trouxe técnica, mas trouxe também distância — e o paciente ficou no meio
A decisão do STF buscou organizar o sistema, mas, ao fazê-lo, elevou a complexidade para quem mais precisa: o cidadão comum.
A ADI 7265, embora justificada sob a perspectiva econômica e estrutural, prejudicou usuários de planos de saúde ao criar barreiras adicionais para acesso a tratamentos essenciais.
Hoje, mais do que nunca:
- o paciente precisa estar informado;
- precisa acompanhar mudanças legislativas;
- precisa entender seus direitos;
- precisa exigir transparência;
- precisa questionar negativas.
A discussão ainda está longe de terminar.
E, enquanto isso, cada pessoa que depende de um plano de saúde continua carregando o peso dessa decisão — às vezes, com mais dúvidas do que respostas.
Informação clara, simples e ética continua sendo a ferramenta mais poderosa para enfrentar a insegurança que a ADI 7265 deixou para trás.
