O overbooking, prática comum adotada por companhias aéreas, consiste na venda de passagens aéreas em número superior à capacidade da aeronave. A justificativa para tal prática é a previsibilidade de que um número significativo de passageiros não comparecerá ao embarque, permitindo à companhia maximizar seus lucros. Contudo, essa prática, que visa minimizar prejuízos operacionais, muitas vezes resulta em sérios inconvenientes para os passageiros, que se veem impedidos de embarcar em voos para os quais possuem bilhetes confirmados.
A legislação brasileira, especialmente o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Resolução nº 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), estabelece um conjunto de direitos para os passageiros afetados por overbooking. Este artigo aborda as principais questões legais relacionadas ao overbooking, os direitos dos consumidores, as responsabilidades das companhias aéreas e as possíveis estratégias de defesa em casos de conflito.
A Prática de Overbooking e a Legislação Brasileira
A prática de overbooking está prevista na Resolução nº 400 da ANAC, que estabelece as condições gerais para o transporte aéreo de passageiros no Brasil. Segundo a Resolução, as companhias aéreas estão autorizadas a praticar o overbooking desde que respeitem certos critérios e garantam o pleno cumprimento dos direitos dos passageiros. A norma determina que, sempre que o número de passageiros confirmados para o voo exceder a quantidade de assentos disponíveis, a companhia aérea deve buscar voluntários para serem reacomodados em outro voo, mediante compensação negociada (Art. 23).
Se não houver voluntários suficientes, a preterição de passageiros é configurada, e a companhia aérea deve, obrigatoriamente, oferecer alternativas, que incluem reacomodação em outro voo, reembolso integral do valor pago ou o transporte por outra modalidade (Art. 21). Além disso, a ANAC impõe que a companhia aérea ofereça compensações financeiras imediatas aos passageiros preteridos (Art. 24).
Direitos dos Passageiros
Os passageiros que sofrem com o overbooking têm uma série de direitos estabelecidos pela legislação:
- Reacomodação Imediata: A companhia aérea deve oferecer ao passageiro a reacomodação em outro voo próprio ou de outra companhia, para o mesmo destino, na primeira oportunidade disponível (Art. 28 da Resolução nº 400 da ANAC).
- Reembolso: O passageiro pode optar pelo reembolso integral do valor pago pela passagem, em dinheiro, e a devolução dos valores devidos a título de tarifas aeroportuárias e outros serviços contratados (Art. 29 da Resolução nº 400 da ANAC).
- Execução do Serviço por Outra Modalidade: Caso o passageiro opte, a companhia deve providenciar o transporte por outra modalidade (como rodoviário) para o destino final, sem custos adicionais (Art. 21 da Resolução nº 400 da ANAC).
- Compensação Financeira: Além das opções acima, o passageiro tem direito a receber uma compensação financeira imediata, que pode ser paga em dinheiro, transferência bancária ou em créditos de viagem. A Resolução nº 400 da ANAC estipula que essa compensação deve ser de 250 DES (Direitos Especiais de Saque) para voos domésticos e 500 DES para voos internacionais (Art. 24).
- Assistência Material: Enquanto aguarda uma solução para o problema, o passageiro deve receber assistência material, incluindo facilidades de comunicação, alimentação adequada e hospedagem, se necessário (Art. 27 da Resolução nº 400 da ANAC).
Responsabilidade Civil das Companhias Aéreas
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicado às relações de consumo envolvendo transporte aéreo, estabelece que a responsabilidade das companhias aéreas em casos de overbooking é objetiva, ou seja, independente de culpa. Conforme disposto no artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Essa responsabilidade objetiva implica que, mesmo que a companhia aérea alegue ter adotado todas as medidas possíveis para evitar o overbooking, ainda assim será responsável pelos danos materiais e morais causados aos passageiros preteridos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça essa interpretação, determinando que a preterição do passageiro, por si só, configura dano moral indenizável, considerando o transtorno e o abalo emocional sofrido pelo passageiro que teve seu direito de embarque negado (AREsp 2.171.153/SC).
Tipos de Danos e Indenizações
- Dano Material: Inclui todos os prejuízos econômicos sofridos pelo passageiro, como despesas adicionais com hospedagem, alimentação, transporte alternativo e até a perda de compromissos importantes devido ao atraso.
- Dano Moral: Refere-se ao sofrimento psicológico, ao abalo emocional e ao desgaste gerado pela situação de overbooking. A indenização por dano moral, conforme já decidido pelo STJ, é devida pelo simples fato de o passageiro ter sido impedido de embarcar, independentemente de outros prejuízos materiais.
Defesa dos Direitos do Passageiro
Em casos de overbooking, a defesa dos direitos do passageiro pode ser estruturada em várias etapas, desde a negociação direta com a companhia aérea até o ingresso de ações judiciais para reparação de danos.
1. Reclamação Administrativa e Negociação Direta
O primeiro passo recomendado é a tentativa de resolução amigável diretamente com a companhia aérea, preferencialmente ainda no aeroporto. É importante que o passageiro registre formalmente sua reclamação no serviço de atendimento da companhia e guarde todos os comprovantes, como bilhetes, recibos e comunicações.
Caso não seja possível resolver a situação de forma satisfatória, o passageiro pode registrar uma queixa na ANAC e no Procon, que são órgãos responsáveis pela fiscalização e defesa dos direitos do consumidor.
2. Ação Judicial
Se a negociação administrativa não resultar em uma solução adequada, o passageiro pode ingressar com uma ação judicial para pleitear indenização pelos danos materiais e morais sofridos. É importante que o passageiro reúna todas as provas necessárias para demonstrar os prejuízos, como:
- Documentação do Voo: Bilhete aéreo, comprovantes de pagamento e cartões de embarque.
- Comprovação de Despesas: Notas fiscais de despesas com alimentação, hospedagem e transporte.
- Testemunhos e Declarações: Relatos de outros passageiros e comunicações recebidas da companhia aérea.
- Registros Fotográficos e Videográficos: Imagens que comprovem o atraso, o cancelamento ou a preterição.
Os tribunais brasileiros têm adotado uma postura protetiva em relação aos direitos dos consumidores, frequentemente condenando as companhias aéreas ao pagamento de indenizações significativas para desestimular a prática do overbooking e assegurar a efetividade dos direitos dos passageiros.
Considerações Finais
O overbooking é uma prática que, embora legalmente permitida, traz sérios transtornos para os passageiros. A legislação brasileira oferece mecanismos de proteção ao consumidor, impondo uma série de obrigações às companhias aéreas, que vão desde a reacomodação em outros voos até o pagamento de indenizações por danos materiais e morais. É crucial para assegurar que as companhias aéreas sejam responsabilizadas por práticas abusivas e que os direitos dos passageiros sejam plenamente respeitados.