Quando você mais precisa do plano de saúde, recebe uma negativa de cobertura. A frustração é grande, e o sentimento de desamparo é ainda maior. Mas o que muitos consumidores não sabem é que essa prática pode ser ilegal — e há caminhos para reverter a situação na Justiça.
Neste artigo, vamos mostrar quando a recusa de cobertura pelo plano de saúde é abusiva, como contestá-la administrativamente e judicialmente, quais documentos são importantes e o que dizem o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Planos de Saúde.
Entenda por que os planos negam coberturas
As negativas de cobertura podem ocorrer por diversos motivos, entre eles:
- Procedimentos fora do rol da ANS;
- Alegação de carência contratual;
- Ausência de cobertura contratual;
- Consideração de doença ou tratamento como “experimental”;
- Interpretação restritiva de cláusulas do contrato.
https://www.licinioerodrigues.adv.br/negativa-de-tratamentoMas nem sempre esses motivos são legítimos do ponto de vista jurídico.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege a parte hipossuficiente da relação contratual — no caso, o beneficiário do plano de saúde. O artigo 6º garante o direito à modificação de cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, e o artigo 14 responsabiliza o fornecedor por falhas na prestação do serviço, mesmo sem necessidade de culpa.
Além disso, a jurisprudência já consolidou o entendimento de que se trata de uma relação de consumo, mesmo que envolva operadoras de saúde e seguradoras. Isso permite ao consumidor buscar amparo no CDC sempre que se sentir lesado devido a uma negativa de cobertura.
O que diz a Lei dos Planos de Saúde
A Lei nº 9.656/98, que regula os planos de saúde no Brasil, estabelece obrigações das operadoras e os direitos dos consumidores. Ela define, por exemplo, o prazo de carência, o direito ao atendimento de urgência e emergência, a obrigatoriedade de cobertura para doenças listadas pela OMS e os critérios para reajustes e exclusões.
Negativa de cobertura em caso de tratamento prescrito por médico credenciado, sob alegação de não constar no rol da ANS, por exemplo, pode ser ilegal, principalmente se for essencial à vida do paciente.
Rol da ANS é exemplificativo, não limitativo
Até 2022, havia controvérsias quanto à natureza do rol de procedimentos da ANS — se seria taxativo (limitado ao que está na lista) ou exemplificativo (aceita tratamentos fora da lista, desde que tenham respaldo técnico).
Com a Lei nº 14.454/2022, ficou definido que o rol da ANS é exemplificativo. Ou seja, a operadora não pode impor negativa de cobertura simplesmente por ele não constar na lista, desde que haja prescrição médica e comprovação de eficácia científica.
Quando a negativa de cobertura é considerada abusiva?
As situações mais comuns de negativas abusivas são:
- Recusa de cobertura para tratamentos essenciais;
- Rejeição de internações de emergência;
- Descredenciamento de médicos ou hospitais durante o tratamento;
- Cláusulas contratuais que limitam o número de sessões terapêuticas;
- Exclusão de cobertura por doença preexistente após cumprimento da carência;
- Negativas por “tratamento experimental” sem justificativa técnica válida.
Todas essas práticas podem ser contestadas com base no CDC e na jurisprudência dos tribunais superiores.
Como agir diante da negativa de cobertura?
- Exija a negativa por escrito
A operadora é obrigada a fornecer a justificativa da recusa por escrito, no prazo de até 24 horas. Esse documento será essencial para o processo. - Junte os documentos
Reúna prescrição médica, laudos, exames e contratos do plano. Esses dados comprovam a necessidade do tratamento e a relação contratual. - Faça uma reclamação na ANS
Você pode registrar uma queixa na Agência Nacional de Saúde Suplementar, que poderá intermediar o conflito e aplicar sanções à operadora. - Procure um advogado especializado
Um profissional pode analisar seu caso e orientar sobre o tipo de ação a ser proposta — como tutela de urgência para garantir atendimento imediato.
Ações judiciais: o que esperar?
A Justiça tem sido um caminho efetivo para reverter negativa de cobertura indevida. Em muitos casos, os juízes concedem liminares obrigando a cobertura imediata do tratamento, sob pena de multa.
Em geral, os tribunais entendem que:
- O contrato não pode se sobrepor ao direito à vida e à saúde;
- O rol da ANS não é absoluto;
- O plano não pode negar tratamento essencial prescrito por médico credenciado.
Quanto tempo leva uma ação?
Em casos urgentes, o juiz pode conceder uma tutela de urgência em poucos dias. Já o processo completo pode levar de meses a anos, dependendo da complexidade e do grau de recurso.
Importante lembrar: mesmo em caso de liminar, o plano pode recorrer — mas a maioria das decisões tem sido mantida e a negativa de cobertura tem sido cancelada.
Custos e gratuidade
Consumidores com renda limitada podem solicitar o benefício da justiça gratuita, previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição. Isso isenta de custas judiciais e honorários nas ações envolvendo negativa de cobertura.
Como se proteger no futuro?
- Leia o contrato com atenção antes de assinar;
- Guarde todas as prescrições e comprovantes;
- Registre toda negativa de cobertura por escrito;
- Dê preferência a planos com boa reputação na ANS;
- Consulte rankings de reclamações e avaliações de consumidores.
Conclusão
Negativas de cobertura são mais comuns do que deveriam — e, muitas vezes, são ilegais. O consumidor tem o direito de contestar e buscar reparação na Justiça, com base no CDC, na Lei dos Planos de Saúde e em diversas decisões judiciais.
Se você teve seu atendimento negado, não aceite passivamente. Primeiramente, tente resolver a situação amigavelmente com a operadora. Se as negociações falharem, procure seus direitos e, se necessário, lute por eles com o apoio jurídico adequado.