Nos últimos anos, os procedimentos estéticos ganharam destaque tanto pela demanda crescente quanto pelos debates jurídicos que envolvem sua prática. Um dos pontos mais delicados dessa discussão é a responsabilidade do médico: afinal, ele é obrigado a garantir o resultado esperado pelo paciente? E se algo sair diferente do combinado? Neste artigo, vamos esclarecer como funciona a responsabilidade médica na estética, diferenciando-a da obrigação de resultado, e mostrar em que situações o médico pode ser processado — mesmo sem garantia de sucesso absoluto.
A responsabilidade médica na estética e a expectativa de resultado
Ao buscar um procedimento estético, é comum que o paciente crie expectativas: uma pele mais jovem, um corpo remodelado, um rosto harmonizado. O problema surge quando o resultado não corresponde ao que foi prometido — ou entendido — durante a consulta. É nesse momento que o conceito jurídico de obrigação de meio x obrigação de resultado entra em cena.
Diferença entre obrigação de meio e obrigação de resultado
Na área jurídica, entende-se que a maioria das atividades médicas envolve uma obrigação de meio, ou seja, o profissional deve empregar todas as técnicas disponíveis, com diligência, perícia e cuidado, para alcançar o melhor resultado possível — mas sem garantir que esse resultado acontecerá.
Já na obrigação de resultado, o profissional se compromete com o sucesso do ato, assumindo o risco de ser responsabilizado caso o objetivo final não seja atingido.
Cirurgias estéticas e responsabilidade médica na estética: obrigação de resultado ou não?
A doutrina e a jurisprudência brasileiras costumam divergir nesse ponto. Alguns entendem que em procedimentos estéticos eletivos, que não têm finalidade terapêutica, o médico assume, sim, obrigação de resultado, especialmente quando promete expressamente um desfecho específico. Outros defendem que, mesmo nesses casos, a responsabilidade só se impõe diante de imperícia, imprudência ou negligência.
O que diz o Código de Ética Médica
De acordo com o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018):
- É vedado ao médico prometer resultados ou subordinar seus honorários à cura do paciente (Art. 62).
- A responsabilidade é pessoal e não presumida.
- O profissional deve informar o paciente de maneira clara e ética.
Responsabilidade civil médica: o que configura erro?
Para que se configure a Responsabilidade Médica, é necessário que estejam presentes:
- Conduta culposa (imperícia, imprudência ou negligência);
- Dano efetivo ao paciente;
- Nexo causal entre a conduta e o dano.
Mesmo que o resultado não agrade, sem culpa, não há erro médico,e, dessa forma, não há dever de indenizar.
Publicidade médica e promessas enganosas
A publicidade médica deve respeitar os limites éticos da profissão, conforme determina o CFM. Anúncios que prometem resultados garantidos são vedados conforme a ética médica. O uso indevido de marketing pode resultar em sanções éticas e ações judiciais.
Consentimento informado: um direito e um dever
O consentimento livre e esclarecido é obrigatório. O médico deve expor riscos, limitações e alternativas do procedimento, de forma compreensível, com registro formal. A omissão desse dever pode gerar responsabilização por violar direito à saúde.
Quando o médico pode ser processado?
Mesmo sem obrigação de resultado, o médico pode ser processado quando:
- Omitir riscos importantes;
- Prometer resultado específico;
- Atuar sem qualificação ou de forma descuidada;
- Utilizar técnicas ou materiais proibidos;
- Negligenciar o pós-operatório.
O que diz a Resolução CFM nº 1.621/2001 sobre Cirurgia Plástica
A Resolução CFM nº 1.621/2001 estabelece que:
- A cirurgia plástica é indivisível e deve ser exercida por médico com título de especialista;
- O objetivo é promover o equilíbrio biopsicossocial do paciente;
- O ato médico constitui obrigação de meio, não de resultado (Art. 4º);
- É vedado prometer sucesso do tratamento (Art. 3º).
Esses princípios reforçam que o foco é na boa conduta médica, e não na perfeição dos resultados.
Jurisprudência: o que dizem os tribunais?
1. Cirurgias Estéticas: Obrigação de Resultado
O STJ consolidou que, em cirurgias estéticas de embelezamento, o médico assume obrigação de resultado. Se o resultado prometido não for atingido, presume-se a culpa, salvo prova de fatores externos.
- REsp 985.888/SP: O médico deve indenizar o paciente, salvo se comprovar caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
- AgRg nos EDcl no Ag 328.110/RS: Reforça que a responsabilidade é subjetiva, mas há presunção de culpa em caso de insucesso.
2. Cirurgias Reparadoras ou de Natureza Mista: Obrigação de Meio
Em cirurgias com finalidade terapêutica ou mista, prevalece a obrigação de meio:
- TJDFT – Acórdão 1230778: A responsabilidade deve ser fracionada conforme os objetivos do procedimento.
3. Importância do Dever de Informação
Mesmo em obrigação de resultado, o dever de informação é essencial:
- TJDFT – Acórdão 1105472: O tribunal reforça que o cumprimento desse dever pode excluir a culpa médica.
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E o Código de Defesa do Consumidor?
O paciente pode ser tratado como consumidor. O CDC garante:
- Direito à informação clara;
- Segurança;
- Reparação de danos.
Porém, mesmo amparado pelo Direito do Consumidor e com base no CDC, a responsabilidade do médico continua sendo subjetiva.
Conflito entre norma ética, jurisprudência e direito do consumidor
Há um evidente tensionamento entre as diretrizes do CFM, a jurisprudência do STJ e os princípios do CDC. Enquanto a ética médica afirma que a cirurgia plástica é uma obrigação de meio, os tribunais reconhecem a existência de obrigação de resultado em certos casos estéticos. Já o CDC fortalece a proteção ao paciente como consumidor, ampliando os deveres informacionais e a responsabilidade por falhas no serviço.
Essa sobreposição de normas exige do médico conduta irrepreensível e do paciente uma postura informada e crítica.