Nos últimos anos, cresceu significativamente o número de consumidores lesados por um tipo de contratação de plano de saúde que, embora pareça legal, esconde práticas abusivas: o chamado plano de saúde falso-coletivo.
Esse tipo de contrato, muitas vezes vendido como uma “vantagem” em relação aos planos individuais, na verdade é um artifício para driblar as regras impostas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e maximizar os lucros das operadoras.
Neste artigo, você vai entender:
- O que caracteriza um plano falso-coletivo;
- Como identificar se você foi vítima desse tipo de contrato;
- Quais direitos o consumidor tem diante dessa prática;
- Como a Justiça brasileira tem decidido casos envolvendo planos de saúde falso-coletivos;
- E quais medidas tomar para se proteger.
O que é um Plano de Saúde Falso-Coletivo
A Lei 9.656/1998, que regulamenta os planos de saúde no Brasil, estabelece diferenças claras entre planos individuais/familiares e planos coletivos (empresariais ou por adesão).
Nos planos coletivos empresariais, a contratação é feita por empresas para seus empregados. Já os coletivos por adesão são firmados por meio de entidades de classe ou associações.
O problema surge quando uma operadora cria um contrato formalmente coletivo, mas que na prática funciona como um plano individual, como nos casos em que:
- A empresa contratante é fictícia ou foi criada apenas para viabilizar o contrato;
- O número de beneficiários é muito pequeno, muitas vezes restrito a um único núcleo familiar;
- Não há vínculo empregatício ou associativo real entre os beneficiários e a empresa/entidade contratante.
Essas situações configuram o que o Judiciário denomina de plano de saúde falso-coletivo ou “falsa coletivização”, ou seja, a transformação artificial de um plano individual em coletivo apenas para permitir reajustes abusivos e a rescisão unilateral, proibidos nos planos individuais.
Por que as operadoras usam o falso-coletivo
A razão principal é simples: maior liberdade para impor reajustes e menos restrições da ANS.
Nos planos individuais, a ANS define anualmente o índice máximo de reajuste permitido. Já nos planos coletivos, o índice é negociado entre a operadora e a empresa contratante, sem um teto oficial.
Com isso, as operadoras usam o plano de saúde falso-coletivo para:
- Aplicar aumentos muito acima da inflação e do índice da ANS;
- Rescindir contratos de forma unilateral;
- Selecionar beneficiários com menor risco, restringindo a permanência de pessoas com doenças graves ou de idade avançada.
Como identificar um plano de saúde falso-coletivo
Você pode estar diante de um plano de saúde falso-coletivo se:
- O contrato tem poucos beneficiários (especialmente se todos pertencem à mesma família);
- Não existe empresa real com empregados para justificar o plano coletivo;
- A entidade contratante não exerce atividade legítima, servindo apenas como intermediária;
- Os reajustes aplicados são muito superiores ao índice divulgado pela ANS para planos individuais;
- O contrato prevê rescisão unilateral pela operadora sem justificativa plausível.
O acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que analisamos confirma essa lógica: no caso julgado, a apólice tinha apenas três beneficiários, todos da mesma família, caracterizando plano falso-coletivo. O tribunal determinou que os reajustes deveriam seguir o índice da ANS para contratos individuais.
Seus direitos como consumidor
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei dos Planos de Saúde, consumidores lesados por plano de saúde falso-coletivo têm direito a:
- Revisão contratual para afastar cláusulas abusivas, como reajustes por sinistralidade acima da média;
- Restituição dos valores pagos a maior, com correção monetária e juros;
- Conversão do plano coletivo em individual, mantendo as mesmas coberturas;
- Manutenção do contrato em caso de doença grave ou tratamento contínuo, evitando cancelamentos arbitrários.
A Súmula 608 do STJ reforça que o CDC se aplica aos contratos de plano de saúde, exceto nos administrados por autogestão.
O que diz a jurisprudência
O Judiciário brasileiro vem firmando entendimento contra a prática do plano de saúde falso-coletivo. Decisões recentes reconhecem que:
- Quando não há vínculo associativo ou empregatício real, o contrato deve ser considerado individual;
- O reajuste deve seguir o índice da ANS para contratos individuais;
- A operadora não pode rescindir unilateralmente nesses casos.
Exemplo: no caso do TJSP, a operadora aplicou reajustes de 19,97%, 19,18%, 16,34% e 14,86% entre 2017 e 2020. O tribunal afastou tais aumentos, aplicando apenas os índices autorizados pela ANS.
Como agir se você tem um falso-coletivo
- Reúna documentos: contrato, boletos, comprovantes de pagamento e comunicações da operadora;
- Compare os reajustes aplicados com o índice da ANS;
- Procure orientação jurídica especializada — advogados com experiência em Direito à Saúde podem avaliar se há base para ação judicial;
- Registre reclamação na ANS e no Procon;
- Avalie a possibilidade de ação judicial para revisar cláusulas abusivas e obter restituição de valores pagos indevidamente.
Prevenção: como não cair no golpe do falso-coletivo
- Pesquise a reputação da operadora antes de contratar;
- Desconfie de planos muito baratos que exigem vínculo com empresas ou associações desconhecidas;
- Leia atentamente o contrato e verifique quem é o contratante formal;
- Peça por escrito todas as condições do plano antes de assinar.
Conclusão
O plano de saúde falso-coletivo é uma prática abusiva que prejudica o consumidor, permitindo reajustes exorbitantes e insegurança contratual. A boa notícia é que a lei e a jurisprudência estão do lado do consumidor.
Se você identificou sinais de que seu plano possa ser um falso-coletivo, é possível buscar seus direitos e garantir uma cobertura justa e estável.