Autismo: Direitos de Crianças Diante do Cancelamento de Terapia ABA

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Índice

Autismo é uma condição que exige cuidados especializados contínuos, fundamentais para o desenvolvimento e bem-estar das crianças afetadas. Recentemente, em Guarapari, no Espírito Santo, a Unimed cancelou o contrato com uma clínica especializada em terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), uma forma amplamente reconhecida de tratamento para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essa decisão deixou várias famílias preocupadas, uma vez que seus filhos ficaram sem acesso a um tratamento essencial para o desenvolvimento. Este texto visa esclarecer os direitos dessas crianças diante dessa situação, à luz da legislação vigente e da jurisprudência aplicável.

1. Introdução ao Cenário Legal

O Transtorno do Espectro Autista é reconhecido legalmente como uma deficiência, garantindo às pessoas diagnosticadas com TEA uma série de direitos que visam assegurar sua dignidade, desenvolvimento e inclusão social, em especial das crianças com autismo. Esses direitos estão embasados em diversas normativas, incluindo a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código de Defesa do Consumidor e as regulamentações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A legislação brasileira estabelece que as operadoras de planos de saúde têm o dever de garantir a cobertura de tratamentos para condições como o TEA, respeitando a prescrição médica e as necessidades individuais dos pacientes com autismo. A negativa de cobertura ou o cancelamento abrupto de um serviço essencial, como a terapia ABA, pode configurar prática abusiva, conforme disposto no Código de Defesa do Consumidor.

2. Direito à Saúde e à Terapia ABA

A Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Esta lei assegura o direito das pessoas com TEA a uma vida digna, ao desenvolvimento pessoal e ao acesso integral a serviços de saúde. Segundo o artigo 3º dessa lei, as crianças com autismo têm direito ao atendimento multiprofissional, o que inclui terapias específicas, como a ABA, quando prescritas pelo médico assistente.

Além disso, a Lei nº 9.656/1998, que regula os planos de saúde, foi alterada pela Lei nº 14.454/2022 para garantir que, mesmo os procedimentos não previstos no rol da ANS, possam ser cobertos pelos planos de saúde, desde que haja prescrição médica e comprovação de eficácia. Nesse contexto, o cancelamento unilateral do contrato com a clínica especializada pode ser interpretado como uma violação desse direito das crianças com autismo, principalmente se não forem oferecidas alternativas viáveis para a continuidade do tratamento.

3. O Código de Defesa do Consumidor e a Proteção aos Beneficiários

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) é um importante instrumento de proteção para os usuários de planos de saúde. De acordo com o artigo 6º, são direitos básicos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. A interrupção de um tratamento essencial, como a terapia ABA para crianças com autismo, sem a devida substituição ou aviso prévio, pode ser considerada uma prática abusiva, conforme disposto nos artigos 39 e 51 do CDC.

O artigo 39 do CDC veda expressamente a recusa de atendimento às demandas dos consumidores, na medida das disponibilidades de estoque, e a execução de serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor. Assim, ao cancelar unilateralmente o contrato com a clínica, a operadora pode estar infringindo esse dispositivo legal, prejudicando as crianças com autismo que usufruem do plano de saúde, especialmente se não tiver informado previamente as famílias afetadas ou oferecido uma solução adequada para a continuidade do tratamento.

4. Jurisprudência: O Dever de Cobertura

A jurisprudência pátria tem reiterado o dever das operadoras de saúde de garantir a cobertura dos tratamentos prescritos por médicos assistentes, mesmo quando esses tratamentos não estejam expressamente previstos no rol da ANS. Um exemplo disso é a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), na Apelação Cível nº 52405-18.2021.8.16.0014, em que foi determinado que o plano de saúde deveria custear integralmente as terapias prescritas para criança com autismo fora da rede credenciada, devido à impossibilidade de atendimento adequado dentro da rede.

Nesse caso específico, a negativa de cobertura foi considerada indevida, visto que as clínicas indicadas pela operadora não estavam aptas a realizar o tratamento pelo método específico indicado pelo médico para crianças com autismo. A decisão reforça que o critério de escolha do tratamento deve respeitar a prescrição médica, visando sempre o melhor interesse do paciente. Portanto, a Unimed, ao cancelar o contrato com a clínica especializada em Guarapari, pode estar sujeita à responsabilização judicial caso não ofereça uma alternativa eficaz que atenda ao método prescrito pelo médico assistente.

5. A Responsabilidade das Operadoras de Saúde

As operadoras de planos de saúde são responsáveis por garantir que seus beneficiários tenham acesso aos tratamentos necessários e adequados, conforme a prescrição médica. Essa responsabilidade é reforçada pela Lei nº 9.656/1998 e pela Lei nº 14.454/2022, que ampliam o dever de cobertura das operadoras, inclusive para tratamentos fora do rol da ANS, desde que comprovadamente eficazes.

A falta de alternativas adequadas para a continuidade do tratamento de crianças com TEA, especialmente quando há uma interrupção abrupta do atendimento, pode configurar violação do direito à saúde e à dignidade, princípios fundamentais assegurados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Além disso, a negativa de cobertura ou a interrupção do tratamento pode gerar danos morais, em razão do sofrimento imposto às famílias e às crianças afetadas, dada a natureza do autismo.

6. Conclusão: A Busca pela Garantia dos Direitos

Diante do exposto, as crianças com Transtorno do Espectro Autista que ficaram sem atendimento devido ao cancelamento do contrato entre a Unimed e a clínica especializada têm o direito de exigir a continuidade de seus tratamentos. Esse direito é garantido por uma série de normas legais que visam proteger os consumidores e assegurar que eles recebam os cuidados necessários para o desenvolvimento pleno de suas capacidades.

As famílias afetadas podem buscar o Poder Judiciário para assegurar que o plano de saúde cumpra com suas obrigações, garantindo o custeio das terapias fora da rede credenciada, se necessário. A jurisprudência é favorável ao consumidor nesse tipo de situação, e o respaldo legal é robusto, oferecendo diversas possibilidades de reparação e de continuidade do tratamento.

Em suma, os direitos das crianças com autismo devem ser plenamente respeitados, e qualquer prática abusiva por parte das operadoras de planos de saúde deve ser combatida com vigor, utilizando-se de todos os instrumentos legais disponíveis. A defesa desses direitos é essencial para garantir que essas crianças tenham acesso ao atendimento necessário e possam desenvolver todo o seu potencial, com dignidade e respeito.

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