A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a obrigatoriedade dos planos de saúde em cobrirem o transplante conjugado de rim e pâncreas trouxe alívio a muitos pacientes e reacendeu o debate sobre os limites da cobertura contratual. No julgamento do Recurso Especial nº 2.093.202/SP, a 3ª Turma do STJ afirmou, por unanimidade, que o plano de saúde não pode se recusar a cobrir o procedimento, mesmo que ele não esteja discriminado de forma expressa no rol da ANS.
Esse entendimento reforça a proteção ao consumidor e impõe limites às práticas abusivas de operadoras de planos de saúde, especialmente em casos de tratamentos complexos e que envolvem risco de morte. Neste artigo, vamos detalhar o impacto dessa decisão, o que diz a legislação aplicável e como ela se conecta ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei dos Planos de Saúde.
🩺 O caso julgado pelo STJ
O processo teve origem em São Paulo, onde um paciente com diabetes tipo 1 e insuficiência renal crônica necessitava de um transplante conjugado de pâncreas e rim — procedimento que aumenta consideravelmente a sobrevida e qualidade de vida. A operadora de saúde negou o procedimento, alegando que o transplante duplo não estava previsto no contrato nem no rol da ANS.
A negativa motivou a ação judicial, e a sentença de 1º grau determinou a realização do procedimento. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a decisão, e o STJ, ao julgar o recurso da operadora, manteve a obrigação de cobertura.
⚖️ Rol da ANS não é limitador absoluto
O argumento central da operadora baseava-se na natureza taxativa do Rol da ANS. Porém, conforme consolidado pela Lei 14.454/2022, esse rol deve ser considerado referencial, podendo ser superado desde que:
- Haja prescrição médica fundamentada;
- Exista comprovação de eficácia do tratamento;
- O tratamento esteja respaldado por protocolos internacionais ou reconhecido pela Conitec ou similar.
O STJ aplicou esse entendimento, reforçando que o rol da ANS não é uma lista fechada que exime as operadoras de fornecer tratamentos indispensáveis e respaldados pela medicina baseada em evidências.
🧬 A importância do transplante conjugado
O transplante conjugado duplo de rim e pâncreas é indicado para pacientes com diabetes tipo 1 e falência renal terminal. O procedimento tem eficácia comprovada na redução das complicações do diabetes e eliminação da necessidade de hemodiálise e insulina.
Recusá-lo com base em formalidades contratuais ou ausência no rol fere o direito à saúde, previsto na Constituição Federal e protegido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
📜 O que diz o Código de Defesa do Consumidor?
O CDC considera abusiva qualquer cláusula que limite o direito do consumidor de forma desproporcional, especialmente em contratos de adesão. O artigo 51 do código é claro:
“São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.”
Negar um tratamento necessário, prescrito por médico e com respaldo técnico, como o transplante conjugado de rim e pâncreas, é considerado prática abusiva. Por isso, as decisões judiciais têm se amparado no CDC para proteger o paciente.
📘 Lei dos Planos de Saúde: cobertura mínima, não máxima
A Lei nº 9.656/1998, que regula os planos de saúde, determina que a cobertura contratada deve respeitar os princípios da boa-fé, continuidade do atendimento e integralidade do cuidado, inclusive nos casos de transplante conjugado de rim e pâncreas. A interpretação da lei, aliada ao CDC, aponta que:
- O rol da ANS estabelece um piso mínimo de cobertura;
- Não pode ser usado como justificativa para limitar tratamentos essenciais;
- A prescrição médica deve prevalecer, quando respaldada tecnicamente.
💡 Impactos da decisão do STJ
A decisão representa um precedente importante. Embora cada caso tenha suas particularidades, o julgamento reforça:
- A possibilidade de judicializar negativas de cobertura injustas;
- A responsabilidade das operadoras em garantir tratamentos prescritos;
- O entendimento de que o rol da ANS não é absoluto.
Essa interpretação fortalece o equilíbrio contratual e a proteção ao paciente diante da assimetria de informações entre operadoras e consumidores.
📍 Situações semelhantes podem ser contestadas?
Sim. Todo paciente que teve um procedimento negado com base no rol da ANS pode:
- Solicitar laudo médico detalhado;
- Reunir documentos clínicos e comprovação científica;
- Registrar reclamação na ANS e no Procon;
- Buscar orientação jurídica para contestar a negativa judicialmente.
Em casos urgentes, como o transplante conjugado de rim e pâncreas, a Justiça pode conceder liminar obrigando a cobertura imediata.
🧾 Como agir diante da negativa de cobertura do transplante conjugado?
Passo a passo:
- Peça a negativa por escrito à operadora;
- Solicite laudo clínico do médico assistente;
- Junte pareceres e estudos científicos que embasam a escolha terapêutica;
- Registre queixa na ANS (Disque 0800 701 9656 ou site);
- Se necessário, proponha ação judicial com pedido de liminar.
🧠 A jurisprudência atual favorece o paciente
Nos últimos anos, os tribunais vêm reconhecendo que cláusulas contratuais que excluem tratamentos indispensáveis, como o transplante conjugado de rim e pâncreas, são abusivas. O caso julgado pelo STJ reafirma esse entendimento e segue uma tendência jurisprudencial de:
- Valorizar o direito à saúde;
- Exigir boa-fé das operadoras;
- Colocar o interesse do paciente em primeiro lugar.
📌 Conclusão
O transplante conjugado de rim e pâncreas é um tratamento complexo, mas necessário para milhares de pacientes com comorbidades graves. Sua recusa por parte dos planos de saúde, sob justificativas contratuais ou ausência no rol da ANS, fere princípios básicos do ordenamento jurídico brasileiro.
A decisão do STJ traz segurança jurídica e garante que o paciente não seja penalizado por práticas abusivas. Com respaldo na Lei dos Planos de Saúde, no CDC e na Lei do Rol da ANS, o consumidor tem direito à cobertura quando houver prescrição médica fundamentada e respaldo técnico.
Se você ou alguém próximo passou por situação semelhante, saiba que é possível — e legítimo — buscar seus direitos.